quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

CONTO

Eu espero de pé ele descer a escada. De pé eu consigo um ângulo melhor de visão, consigo observar e definir a proporção do impacto que ele causa no meu corpo quando eu o vislumbro ainda que à distância. Eu não sei dizer porque, mas mesmo sabendo da vulnerabilidade adquirida desde que ele entrou no meu caminho, ainda assim me lanço de maneira suicida na história que existe entre nós. Gosto de ver seu peito inflar quando ele respira fundo e quando expira ele quase suspira, a dança que seu corpo faz quando ele anda e posso sentir a sua pisada forte. Gosto do jeito que ele para e coloca a mão na cabeça quando está cansado ou preocupado, da expressão séria que ele faz quando está concentrado e algo, gosto do jeito que ele coça a barba quando está só pensando, gosto dessa masculinidade que ele tem, e da sexualidade que ele exala.
Nele eu gosto até quando é implicante, quando fica se exibindo, tentando mostrar que sabe mais ou que está certo.
Eu não consigo descrever por inteiro a reação do meu corpo no exato instante que ele surge no alto da escada com a cara de quem é sério e muito comportado. Sem sorrisos, sem expressão amigável ou cordial. Mas aquilo não é suficiente pra me intimidar. Mesmo com o corpo todo resfriado, por uma espécie de ar condicionado que é ativado dentro de mim e me dá aquela famosa sensação de “frio na barriga”, eu consigo soltar no canto dos meus lábios um sorriso sarcástico. Porque afinal, eu sei que aquela cara fechada é só uma fachada. Meu corpo todo treme, eu nem me atrevo a esticar a mão pra pegar algo leve, pra não me denunciar pelas mãos tremendo. Meus batimentos cardíacos estão acelerados, nem sei quanto, mas estão muito acelerados. Eu gosto dessa sensação de adrenalina de quando ele está por perto. Acho que se aproxima das sensações de medo e da paixão. Mas eu não sou apaixonada por ele, tenho plena consciência também que é algo que vai além do puro tesão. Não é algo que envolva só a carne ou só a emoção, mas nem por isso se aproxima do amor.
Não vou me alongar tentando descrever uma coisa que ninguém até hoje nunca me conceituou.
Pois então, ele desceu, passou por mim sem manifestar nenhum cumprimento, caminhou pela sala e sentou-se na poltrona que ficava de costas pra uma janela grande de vidro. Tirou da caixinha que ficava na mesinha ao lado da poltrona, um charuto e o cortador e um isqueiro de prata. Ele cortou a ponta do charuto e o acendeu. Eu permaneci ali, parada acompanhando com os olhos os mínimos movimentos daquele homem que aparentava não ter só os 40 anos que ele realmente tinha. Ele parecia levar consigo pelo menos dois séculos de vida, mas ainda assim, mesmo com toda essa experiência nos ombros, não sabia disfarçar completamente seu interesse por uma garotinha de 17 anos. Eu decidi então sentar na poltrona que ficava de frente pra dele, e continuei comendo seus movimentos com os olhos famintos de conhecer o outro lado daquele homem de olhos da cor de ouro velho. Em pouco tempo ele se incomodou com a minha atitude e buscou um jornal pra fugir dos meus olhos. Eu fui até ele, andando e balançando o meu rabo de cavalo preso no topo da cabeça e o vestidinho branco de algodão, que só não escorregava pelo meu corpo por que duas alçinhas bem finas o prendia por um laçinho na altura dos ombros. Parei na frente dele, arranquei o jornal e olhei dentro dos olhos e o estendi a mão. Vi nos fundo dos olhos dele, ele despencar daquela postura de inabalável e se desmontar aquela fortaleza. Por um segundo senti que ele seguraria minha mão, mas ele lutava resistentemente contra o desejo dentro dele. A máscara havia caído. Ele não precisava ter segurado minha mão pra eu saber que ele me quer, bastou os olhos dele me contarem, os músculos dele se contraírem, bastou a inevitável expressão de quem está tentado, pra ele deixar escapar o homem sem casca que me desejava cada vez que eu surgia pela casa em suas madrugadas insones. Tudo bem que eu sinto tudo ao mesmo tempo, frio calor, tesão, medo. Eu nunca disfarcei. Ele não, ele sentia muito mais, ele sentia raiva de si mesmo por não se permitir a entrega. E saber disso me colocou no domínio. Agora eu sei o que ele sente, e a forma com que sente. Agora eu dou as cartas, e eu faço as regras.


Diva Brito
13/12/2006