terça-feira, 19 de setembro de 2006

CONTO

A bailarina

Naquela manhã de verão, ela acordou se sentindo a garota mais bonita da cidade. Na verdade isso não era pretensão de sua parte. Porém, existia naquela vaidade matinal uma colher e meia de malícia. Marina percebia que havia começado a transformação do seu corpo, e que, sobretudo, já possuía um dos rostos mais perfeitos daquela região. Um rosto angelical, olhos azuis e arredondados, sobrancelhas naturalmente bem desenhadas, maças salientes e coradas, um nariz fino e arrebitado, cabelos num tom escuro, lisos e que se encontravam na altura da cintura daquela doce menina. Marina era a bonequinha da família e como se não bastasse filha do prefeito daquela cidade. Levantou muito mais cedo do que de costume pra se arrumar pro tão comentado desfile. A fanfarra da escola era tradicionalmente conhecida nas redondezas pela afinação e pela pompa com que se apresentavam em todas as datas comemorativas da cidade.
Ela corre pro banheiro. Tira a camisola de menina moça e entra no chuveiro, assim, como quem encena um comercial de sabonete. Olha os pequenos seios que depois de despontados já cresciam com uma forma arredondada e intimidadora. Tocava também sua cintura, que havia afinado consideravelmente. Seu quadril mais largo e seu bumbum proeminente a deixavam uma moça bastante atraente. Marina já completara os 17 e estava se preparando já pra sua festa de aniversário de 18 anos. Mas era engraçado, pois aquelas transformações se iniciaram paralelas ao período da sua primeira menstruação, mas só agora ela realmente se via como uma mulher, e não mais como menina crescida. Essa visão que ela acabara de ter, talvez demorasse mais ainda de chegar às mentes de alguns homens de seu convívio, como seu pai, seus primos e tios, os colegas da escola com quem estudava desde a alfabetização, e os amigos da família.
Veste toda a roupa de bailarina e entre uma peça e outra ela relembra os passos que houvera ensaiado. Marina core no quarto da mãe e chama pra que venha fazer sua polpa – era sempre ela que penteava a filha pros eventos. Os fios muito lisos teimam em escorregar das mãos da mãe, mas como já havia pratica m penteá-la, Consegue em alguns minutos formar a polpa do jeito que Marina adora. Depois de arrumada a menina desce e toma um suco. Experimenta o bolo que a mãe fizera, e que era o preferido dela: bolo de fubá. Marina faz os últimos retoques na maquiagem caprichada que fazia pros eventos mais importantes. Um batom vermelho nos lábios, blush nas maçãs já naturalmente coradas e muito rímel.
O pai já está na sala com a mãe já arrumada, ambos esperando pra levar a filha até a concentração do desfile.
A coordenadora do evento, posiciona corretamente os componentes da banda e anuncia que a fanfarra vai sair.
Marina graciosamente dança à frente da banda. Com o seu sorriso que havia esquecido de comentar, mas que só intensificava a beleza de princesa com a qual a menina já nascera. Os rapazes da cidade admiravam a beleza estonteante de Marina como algo quase que intocável. Como se a menina fosse uma princesa presa na torre e só sendo muito nobre e corajoso pra se casar com ela. E era, com certeza a mais bela e bem educada menina da cidade, coisa que a fazia “sonho de consumo impalpável” a todos eles. Além do mais, a figura do seu pai projetava nela mais ainda a figura de bibelô de estante.
E aí, na frente da fanfarra, vem a bailarina insatisfeita que olha pros rostos que a fitam com aquela infinita ternura.Ela para a banda e retruca:
- Ei! não me olhem assim! Não fui feita pra enfeitar, não vou aqui iludir.Coloquei esta meia transparente, um decote generoso, um maiô bem curto, essa sainha de filó super sensual, e ainda estou com as pernas de fora e vocês me olham com essa inocência intragável...?
Do fundo da fanfarra solta bem alto um dos trompetistas:
-Ó...já que pode falar,moça, cê tá gostosa pra caralho!

Marina se vira com um riso de quem estava agora sim, se sentido mulher. A banda recomeça e fanfarra prossegue, agora assistida por olhos famintos sobre a bailarina satisfeita!
FIM.
Diva Brito
19/09/2006